quarta-feira, setembro 23, 2009

em voz baixa, eu canto para te enganar.

Na primeira vez que dormi nesse quarto - sendo meu agora e lhe pertencendo - a impressão era de que chovia a noite inteira, lá fora e dentro de mim, por conta do barulho dos galhos batendo na janela.

Aquele som ia me alagando lentamente em sonhos,
imagens e sensações que eu peixe conheço tão bem, tão íntimo,
mares salgados nós debaixo do chuveiro frio cachoeira quentes rios de lágrima que derramamos um pelo outro as vezes juntos e salivas e suores wassar and you are not me há tanto tanto tempo quando nos perdíamos entre vastos mundos e infinitos particulares entre quixote e alice entre meu fogo e tua razão entre torres câmara e nunes valente e a gente no meio bem no meio no olho do furacão.

Ouvir tua voz de noite, mesmo sem saber do tamanho, do corte de cabelo, se a barba ainda cresce independente da tua vontade, se a armação dos óculos já foi consertada, se a tatuagem continua nítida, os livros na estante, se nossa foto desbotada permanece na gaveta, se apesar dos vinte e oito anos de vida completados ontem - ou por conta deles -, em ti permanece a necessidade de desbravar, abrindo ciclos mas fechando os olhos, me faz ficar imaginando onde estaremos daqui a alguns anos, dragões que somos, passando sempre, sempre ensaiando com o que a vida volta e meia nos empresta.

Leio Caio através de Anaís, água mais uma vez, e entendo que durante todo o dia ainda vou permanecer com esse gosto na boca, e apesar do chão que insiste em tremer, dos tratores que constroem prédios e desfazem laços, me encaixo no dodecaedro, me seguro nele pra não ser levada pelo triângulo das águas que, se não fosse a terra que resiste em mim, já teria me mandado para além dos mares de fevereiro.

"Quando voltar setembro, tudo estará acabado,
pronto para refazer-se.

Comecei a escrever sem saber
o que dizia, e não parei.
Não morri nem enlouqueci.

O que invento me ultrapassa sempre.
E tem asas.
Agora também."